O Idoso e a Família
O envelhecimento é um processo natural, inevitável e irreversível em qualquer ser vivo e a velhice representa uma das etapas (a última) do ciclo de vida do ser humano. Tal como a infância e idade adulta também ela é acompanhada de profundas alterações a nível psicológico, físico e social. O facto de ser o período da vida que está associado a perdas físicas, psicológicas e sociais leva à construção de um conjunto de preconceitos/estigmas pela sociedade que em
nada favorecem a vivência dos indivíduos que dela fazem parte. Contribuindo para a discriminação social e por sua vez para a não permissão da continuação
de uma vida plena de direitos e com qualidade.
Face às grandes alterações do perfil demográfico no mundo, ou seja cada vez mais idosos e menos jovens, o envelhecimento tornou-se uma problema social em função dos seus reflexos económicos e sociais na sociedade contemporânea. Pelo que são necessárias intervenções sociais, económicas, ambientais e médicas (quando surge a doença), para quando se chegar à velhice esta seja encarada como uma etapa natural, mas que necessita de "cuidados" acrescidos, tanto por parte da sociedade, como da família.
Sendo a família a instituição social mais antiga e sustentável do desenvolvimento do homem, ela apresenta-se com a primeira instituição com a qual o indivíduo tem contato com vida e, por isso é geradora de estabilidade e segurança nas trocas sociais. Segundo Kaloustian, 1988 (cit. por Zani, 2007), a família é o lugar indispensável para a garantia da sobrevivência e da proteção integral dos filhos e demais membros, independentemente do arranjo familiar. É a família que propicia laços afetivos necessários ao desenvolvimento e bem estar dos seus integrantes.
Ainda segundo Zani (2007), é na família que os valores éticos e humanitários são absorvidos e os laços de solidariedade são aprofundados. É também no seu
interior que se constroem as marcas entre as gerações e são observados valores culturais.
Na minha opinião o valor mais importante na família é precisamente a afetividade/solidariedade profunda que se constrói entre os elementos da mesma família e que a mantém unida independentemente dos atritos pessoais que possam acontecer e da distância geográfica que exista. Considero também que a grande maioria dos idosos de hoje quando requerem o apoio dos filhos vão à procura desse valor, a partilha de afetos. A família é detentora desse valor quando "ouve" o seu idoso/idosos e coloca como questão prioritária na sua vida a satisfação dos desejos do "outro", implicando muitas vezes reajustar e adaptar o tempo e as atividades aos cuidados prestados aos seus idosos (pois quando nascem os filhos e, enquanto são dependentes de nós também o fazemos). Na sociedade contemporânea o individualismo é hoje construído com afinco, contudo a afetividade entre membros do mesmo sangue, quando bem consolidada na família ultrapassa esse sentimento mais egoísta do ser humano.
Segundo Rodrigues et all (2009) "A família precisa de ser instrumentalizada para conviver da melhor forma com os novos elementos que chegam, com as suas necessidades e diferenças, eles sãos provenientes de um época em que a família preservava valores básicos de reprodução, socialização, cuidado, proteção e ajuda económica. Valores que não são mais do que valorizações afetiva, efetiva e social da família".
A Instituição-família como a conhecemos hoje, é fruto de um longo processo evolutivo, que vem ocorrendo ao longo dos tempos. Como refere Kusano, a
família é um instituição em eterna mutação e fruto da sociedade. Esta aos poucos foi evoluindo, mudando conceitos e adquirindo novos valores e, a família como fruto da sociedade que é, a cada mudança, social, económica ou cultural, a família a ela se adequa, ganhando novos contornos na sua estrutura. O fator
primordial na reestruturação da família foi a inserção da mulher no trabalho, ganhando espaço na sociedade e na família, passando de dona de casa e mãe de
família a provedora do lar.
No passado o papel de cada membro na família era fixo e previsível, as famílias eram mais numerosas, "frequentemente residiam no mesmo local,
compartilhando, muitas vezes, da mesma atividade laboral e, essa proximidade promovia um maior envolvimento dos seus membros, favorecendo que um deles cuidasse do seu progenitor quando esse viesse a necessitar" (Papaléo Neto, 2002, cit. por Domingues, 2012) . Atualmente os papéis foram alterados as
posições homem/mulher, pais/filhos, avôs/avós desdobraram-se em significativas mudanças nas relações intergeracionais. Com as alterações das estruturas
familiares, monoparentais e a diminuição do número de filhos romperam-se uma série de valores e ideias (Silva, 2013).
Para Zani (2013), "As mudanças de valores e a redefinição do trabalho, resultantes da modernização têm impacto nas hierarquias familiares; são mudanças que alteram, consequentemente, a organização familiar e fazem surgir novos papéis dentro de um sistema de solidariedade, limitando a capacidade de funcionar como uma instituição de assistência".
Ainda segundo Talcott Parsons (cit. por Avó, 2009), na fase pós industrialização, a estrutura familiar centrou-se na família nuclear, isolada da família alargada, devido a múltiplos fatores, alguns já referidos anteriormente como a integração da mulher no mundo do trabalho, a diminuição da taxa de fecundidade, mas também o aumento dos divórcios, a migração, a nova dimensão habitacional, o que dificulta o investimento nos laços de parentesco e interação familiar.
Segundo Dobrof, 1997 (cit.por Domingues, 2012), na relação idoso-família o fator preponderante é a interdependência, pois se em muitas ocasiões os idosos
recebem ajuda, em outras, proveem assistência e auxílio aos filhos, netos e bisnetos. Caldas, 2003 (cit. por Domingues 2012) acrescenta ainda que nesse
binómio é a atitude com forte caráter afetivo e retributivo, que conta com uma diversidade de colaborações e trocas entre idosos e seus filhos adultos, num
contexto de solidariedade intergeracional e maturidade filial. É nesta entreajuda que o idoso pode contribuir, através do cuidado diário dos netos, o
que por sua vez possibilita as relações intergeracionais e um aprender recíproco através do convívio e diálogo. Também a questão financeira não é um
fator a descurar, pois sendo a taxa de desemprego tão alta entre os jovens, o contributo das parcas reformas dos idosos, sendo fixas, poderão muitas vezes
ser uma mais valia para o equilíbrio da economia familiar. Por último sendo o idoso, como todos os indivíduos "portador de uma história pessoal, é transmissor de crenças e valores que contribuem para a formação de indivíduos conscientes das suas raízes ajudando a construir os seus referenciais sociais" (Rodrigues et all, 2004), contributo importante na formação pessoal dos netos, uma vez que os adultos (filhos dos idosos) pela ritmo de vida têm menos tempo para os transmitirem aos seus filhos (netos dos idosos). Contudo, apesar de se reconhecer o valor positivo do idoso na família, constata-se que cada vez se assiste mais a uma menor disponibilidade temporal dos diferentes membros da família para cuidar dos seus idosos. Pelo que há necessidade de mais contributos por parte do Estado, para que esse apoio/assistência possa ser feito de forma efetiva e em primeira instância pelas famílias e, só em último recurso recorrer a outras formas de apoio social, seja ele público ou privado.
Segundo Carvalho, 2003, cit. por Rodrigues et all 2009)," A solidariedade familiar, [...], só pode ser reivindicada se se entender que afamília, carece de proteção. O potencial protetor e relacional aportado pela família, em particular em situação de pobreza e exclusão só é possível de otimizar se ela própria receber atenções básicas". Sendo a família a principal fonte de ajuda e apoio afetivo do idoso, quanto mais este estiver integrado no seio familiar, maior a sua satisfação e melhor a sua qualidade de vida.
Por último se a sociedade contribuir para a construção de uma imagem positiva da velhice (processo que requere muito investimento logo no início da formação do indivíduo, em que se apela à consciencialização de que a velhice é uma etapa natural da vida e que é motivo de orgulho chegarmos a ela, por todas as vivências adquiridas), por sua vez recolherá os frutos desse investimento, deparando-se mais tarde com um grupo etário envelhecido, mas mais saudável (porque se apostou em comportamentos saudáveis de vida), participativo na construção da sociedade e na vida da sua família (porque mesmo com mais idade o indivíduo é um sujeito respeitado pelas suas capacidades e experiência de vida e não é descriminado pelos "seus cabelos brancos") ávido de novos papéis sociais para autorrealização e busca de novos espaços de expressão, deixando de se tornar um "peso" pesado para a sociedade.
Dulce Pereira Correia
BIBLIOGRAFIA
AVÓ, Helena Mestre, Gerir a adultez tardia, Instituto Superior de Ci~encias Socias e Políticas, Tese de Mestrado, 2009.
DOMINGUES, Marisa Accioly, Teoria e Prática da Gerontologia um Guia para Cuidadores de Idosos, PsicoSoma, 2012 - (Capítulo 13).
KUSANO,Susileine,www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista...id...(consultado em 1-04-2014).
RODRIGUES, Lizete de Sousa, Soares, Geraldo António, Velho, idoso e terceira idade na sociedade Contemporânea, Revista Ágora, Vitória, 2009, p. 1-29).
SILVA, Maria Rosimeire Negreiros, A família e sua evolução como instituição social, profjosebenedito.blogspot.com/.../a-familia-e-sua-evolucao como.html,09/08/2013.
ZANI, Lúcia Helena da Silva, o idoso e a família-Investigação sobre adinâmica dos papéis sociais, Dissertação de Mestrado, 2007.