Narrativa de uma Idosa

Sou uma mulher de 85 anos, quando me olho ao espelho vejo uma cara com rugas e muitos cabelos grisalhos, ai caio em mim e percebo que já cheguei à velhice. Vivo na minha casa com o meu marido, felizmente ainda temos saúde, mas a idade não perdoa (como costuma dizer o povo), já estamos um bocadinho esquecidos, mas a vida lá se vai fazendo umas vezes com mais garra, que outras.

Tanto eu como o meu marido frequentamos a Academia Sénior do local onde vivemos, para nós esta iniciativa promovida pela autarquia foi muito benéfica para os idosos da nossa zona. Temos muitas atividades e cada um frequenta a que mais  interesse lhe desperta, eu, por exemplo gosto muito de informática, tenho aprendido muito e é-me muito útil, pois é por esse meio de comunicação que falo com os meus filhos, principalmente o mais velho, que vive noutro país. A dança é também outra  atividade que gosto, estou um bocadinho mais gordinha do que era há alguns anos, mas ainda me desembaraço muito bem e gosto muito das músicas que a professora escolhe para dançarmos, lembram-me outros tempos, descontraem-me e fazem-me sentir muito bem. O meu marido já tem mais interesse pelo canto e teatro, ele sempre teve muito ouvido para a música e quando era mais novo fazia parte do grupo de teatro amador da nossa cidade. Somos todos grandes companheiros e rimo-nos muito, há pessoas da minha idade que são muito divertidas e muito criativas. Nas horas de intervalo das aulas cantamos cantigas da nossa época e ficamos a saber um pouco da  vida de cada um.

 Às vezes quando estou mais triste, penso nas pessoas que conheço e em algumas que poucas razões têm para ter boa disposição, os filhos e netos estão longe, pouco telefonam, mas mesmo com a tristeza na alma elas continuam alegres.

Em minha casa sou eu que faço tudo e trato ainda das minhas contas, quando vou ao banco as pessoas são muito atenciosas e explicam tudo para nós percebermos bem, mas existem outros sítios onde isso não acontece, não têm paciência e pensam eles que por estarmos velhos, não percebemos bem as coisas. Por causa de uma situação destas, no outro dia tive de ligar para a linha do cidadão idoso, que na minha opinião é muito útil para nos informar relativamente aos nossos direitos, enquanto cidadãos. O assunto tinha a ver com os cortes na minha reforma e fiquei esclarecida. Eu acho que vale a pena aproveitar estas medidas de apoio aos idosos, facilitam-nos a vida e não gastamos dinheiro, porque são gratuitas.

Nos últimos tempos tenho pensado muito nas instituições para idosos, eu já estou inscrita num lar (o melhorzinho de todos os que vi), porque cada vez há mais
velhos e acontece o mesmo que com as crianças, temos de nos inscrever antes de precisarmos. Na altura da inscrição os meus filhos vieram para conhecerem bem como é que alguns desses sítios funcionavam, ficámos um bocadinho tristes, pois chegámos à conclusão que são todos muito iguais, tudo muito parado, as pessoas sentadas a olhar para a televisão, sem fazerem nada, nem sequer conversavam umas com as outras. Os meus filhos ficaram desesperados, percebi pelo olhar deles que não gostaram do que viram, mas também sei que o estilo de vida que têm não lhes permite tomar conta dos seus velhotes e, por isso fiz-lhes ver que ainda não era necessário preocuparem-se e que quando chegasse o dia, talvez já as coisas estivessem diferentes. Dentro de mim o desejo é que esse dia esteja ainda bem longe, porque acho que quando se vai para um sítio desses é mesmo para morremos ainda em vida, deixamos de fazer aquilo que gostamos, porque temos de cumprir aqueles horários, deitar às 20 horas, comer às 12 horas, lanchar às 16 horas,... entre muitas outras coisas, parece que somos todos iguais, que temos sono e fome  todos ao mesmo tempo.   

Eu tenho uma irmã que vive em Lisboa, dois anos mais nova que eu, ela está ainda muito rebitesa, em nova foi uma pessoa que se preocupou com o exercício físico, ia ao ginásio quase todos os dias e não fumava. Contudo, ela e o marido decidiram ir para um lar, é particular e mais parece um hotel, têm pequenos apartamentos a que chamam residências e eles estão no seu espacinho. Mas o melhor disto tudo é que têm muitas atividades, é como se tivessem uma academia sénior dentro do lar, fazem muitos passeios e, vão todos, até os que estão menos autónomos.Durante a noite se tiverem algum problema sabem que existe um enfermeiro permanente e um médico de chamada que os ajudará. Aqui na minha terra, estas coisas não existem, até nos privados o funcionamento é muito igual aos do estado.

A meu ver, há também  falta de locais só para dar apoio  às pessoas no período da noite; ora vamos imaginar, que eu continuo a dar conta do recado durante o dia, mas, durante a noite poderia precisar de estar acompanhada por alguém mais jovem, para me dar uma mãozinha, porque somos duas pessoas de idade avançada (eu e o meu marido), mas esses centros, os chamados centros de noite, aqui não existem, nem nos arredores, só nas grandes cidades.

Eu sei que os tempos que vivemos estão difíceis, cada vez há menos dinheiro e sinto-o bem no meu bolso, porque a reforma cada vez é mais pequena, mas o nosso governo devia ter mais respeito pelos idosos e, para isso bastava dar um pouco mais de condições às instituições que se dedicam a cuidar de nós. Pois nesses sítios as pessoas fazem o que podem e o que não podem (há pouco pessoal), ou seja, desdobram-se para conseguir chegar a todos os lados, mas depois alguma coisa falha e somos nós que ficamos a perder. Por isso deviam atribuir mais verba financeira a essas Instituições e garantir que todo o seu pessoal tivesse formação em geriatria e gerontologia e, com toda a certeza, haveria mais sensibilidade para tratar dos idosos e toda a gestão e dinâmica dos lares seria diferente.

No outro dia estava a ver televisão e vi uma reportagem sobre o Programa de apoio 65 - Idoso em Segurança, eu já sabia da existência desta medida de apoio aos idosos, principalmente para os que vivem mais isolados, mas o que mais me impressionou foi saber que são muitas as pessoas com mais de 80 anos que vivem completamente sozinhas e a GNR vai com frequência ver como estão, é na minha opinião uma iniciativa que considero muito bem sucedida, porque garante as condições de segurança e tranquilidade das pessoas idosas, principalmente aquelas que vivem mais isoladas. Fiquei também a saber que estes profissionais, são muitas vezes as únicas visitas dos mais velhos, chegam até a instalar um telefone na casa das pessoas, para em caso de emergência haver um contacto direto e imediato à GNR.

Para terminar, gostaria de dizer aos mais novos que não nos olhem como se tivéssemos sido sempre velhos, nós também já fomos novos, tivemos os nossos sonhos e continuamos a tê-los, tal como eles, achávamos que nunca ficaríamos tão velhos, que isso só aconteceria aos outros, que teríamos menos rugas, que as doenças de que os velhos se queixam, nunca poderiam ser as nossas e que os nossos filhos teriam todo o tempo do mundo para nós. É preciso que se comece a dar mais valor aos mais velhos, porque nós podemos ainda ser úteis, pela nossa experiência de vida e pelos nossos conhecimentos. É pena, que ainda poucos tenham percebido que chegar à velhice é sinal de uma grande caminhada feita pela "estrada" que cada um escolhe, que é motivo de orgulho, de sabedoria e de alegria pois continuamos vivos.

"A vida é para ser vivida com alegria, seja em que idade for"

(Anónimo)